O Professor Miguel Reale ilustra bem uma situação
de imoralidade, porém, de legalidade: Numa sociedade de duas pessoas com cotas
iguais, uma trabalha muito mais que a outra, que mais finge trabalhar do que
qualquer outra coisa, mas, ao final, por força do contrato (amparado pela lei),
ambos recebem iguais rendimentos dos resultado do empreendimento. É legal, mas é
imoral, por que o preguiçoso não pode ter o mesmo prêmio daquele que trabalha
com afinco, mas a lei lhe garante a partilha em partes iguais.
E é mais ou menos isso que os vereadores de Toledo
utilizam para justificar o súbito reajuste de 37,66% nos seus salários, passando
de R$ 7.280,00 para R$ 10.021,00, para vigorar a partir de janeiro de 2013. Usam
como fundamento a permissão constitucional que o salário de vereador deve
corresponder a metade do salário do deputado estadual. E por que então existem
câmaras de vereadores com salários menores? O teto não significa que o valor
máximo é obrigatório. Quando a lei diz que o salário do vereador pode ser até a
metade do salário do deputado estadual, a preposição “até” impõe concluir que
pode ser menos. Só não pode ser superior. Portanto, outros critérios de fixação
estão em jogo, sendo que é o arbítrio do legislador quem leva a fixação efetiva
do valor.
Os vereadores ao arbitrarem o valor do vencimento
para a próxima legislatura, além do teto de vencimento, devem se guiar por
outros paradigmas. Eis que entra então em jogo conteúdos de regras morais. Não
sou partidário que vereador não deva ser remunerado ou que tenha baixa
remuneração, pois tais circunstâncias são portas abertas à corrupção. Mas a
remuneração ou o critério de remuneração deve ser justo. É espinhoso diferenciar
o justo do injusto. Mas não podemos nos furtar dessa missão.
Diversos paradigmas podem ser utilizar para fixar
o índice, tais como: a remuneração média do trabalhador comum; quanto tempo
efetivo de trabalho como vereador realizam no mês; os reajustes dos servidores
no período; valor do salário mínimo; etc. Seja lá qual for, nada ampara o
salto que ocorreu no reajuste. Que critérios são esses?
Aumento do trabalho como vereador? Recomposição perante a inflação? Não há nada,
absolutamente nada, justificando.
E o que é então esse aumento e por que é injusto?
A resposta é uma só: privilégio. Os privilégios ao longo da história sempre
foram odiosos, como o da aberrante prima noctis, onde a noiva plebeia na primeira noite dormia
com o nobre e não com seu marido. Os vereadores, legislando em causa própria e
no uso de seu livre arbítrio, resolveram extremar a faculdade que a Constituição
lhes dá, e arbitram seus futuros salários no valor máximo admitido. Isso é
tentar garantir privilégio. Digo “tentaram” por que pretendem se reeleger. É
usar despudoradamente a lei em proveito próprio, mesmo que o valor seja mais do
que o suficiente para sua manutenção, remunere além do efetivamente trabalhado e
use critério diferenciado de reajuste remuneratório em relação aos demais
trabalhadores, especialmente os do serviço público municipal. Por que não usuram
os mesmos índices que eles votaram para reajustar os vencimentos dos servidores
públicos? Não há nada mais justo que utilizar na prática dos seus atos os
critérios vindos do princípio da igualdade, pois neste contexto os privilégios
não sobrevivem.
Não é imoral se beneficiar, com algumas ressalvas,
de um privilégio. O imoral é criar o privilégio e tentar dele se beneficiar.
Isso por que o empregado assalariado não pode fixar sua própria remuneração. Um
comportamento moral é aquilo que se espera de uma pessoa diante do senso e
prática comum. Se todos os “não vereadores” não podem determinar o aumento de
seus próprios salários, o mínimo que se espera (senso comum), é que os
vereadores pautem o reajuste de seus vencimento como ocorre com os demais
cidadãos. Portanto, se por um lado o reajuste é legal (dentro da lei), é, por
outro lado, claramente imoral. Ou você não ficou surpreso com esse aumento? Se
ficou, é por que o senso comum não balizou os vereadores.

Nenhum comentário:
Postar um comentário